quinta-feira, 9 de abril de 2009

O dia da estreia

A noite de estreia é sempre a noite de estreia. É a noite, ou a vez, que todos os nervos dão sinal de vida. Tudo, naquelas 2 horas que antecede o começo de uma peça de teatro, abana. Apercebemo-nos realmente o que é “não nos caber uma palhinha”. Saber que em breve vamos estar na presença de 200 pessoas a representar, torna-se uma necessidade. É aflitiva a espera e não há música que nos acalme, nem há experiência que nos valha.
Chegamos ao local e só nos apercebemos que estamos nervosos, quando após pedirmos café nos esquecemos de o beber. Pequenas conversas com alguns espectadores, que já lá se encontram para tirarem os melhores lugares, fazem-nos esquecer por 2 minutos que estamos aflitos e que agora não hà volta a dar.
Vamos para os camarins e começamos a preparar a roupa, que mesmo depois de estar toda pronta, sempre a verificamos pela milésima vez. Há sempre a sensação de nos termos esquecido de algo.
Enquanto nos vestimos, vamos falando, vamos ouvindo e recapitulando com os outros tudo para não nos esquecermos de promenores importantes e depois, já só com os nossos botões, “vê-mos” o nosso papel. Falamos sozinhos, mexemos nas mãos, não temos sítio para as meter, nem dá para esconder a irritação de não nos conseguir-mos concentrar, sem sermos assaltados pelos nervos, que teimosamente não desistem de dar sinal de vida.
Temos vontade de ir à casa de banho, mas chegados lá, afinal não temos vontade nenhuma. Os cigarros não ajudam e tornam a espera insuportável. Será que vou ser capaz de fazer? E se me enganar? E se os outros se enganarem? E se... reparamos então que não fumámos o cigarro e ele já se consumiu todo em cinza. Ouvimos música mas se perguntarem o que estamos a ouvir, não sabemos responder, porque não é aí que a nossa cabeça está.
E as mãos abanam. Os pensamentos não param e por mais optimista que sejamos, algo nos diz que vai correr mal. Queremos que estejam presentes todos os amigos e pessoas de quem mais gostamos. Mas a cabeça está num perfeito turbilhão. E as mãos abanam.
É agora chegada a hora de ir até às mãos da Sãozinha. Para mim, o único momento de alívio. Mas para ajudar, entra a Nélita e confirma: “A sala já está cheia!”. Repiramos fundo e não conseguimos. A garganta seca, nem com uma mini, que abundam sempre por ali, fica molhada e quando a Sãozinha nos despacha e nos deseja “muita merda”, entramos finalmente em transe. Já não vemos os sorrisos forçados, nem as conversas esforçadamente alegres, que tentamos ter, não por mal mas por nervos e o desejo que comece depressa torna-se insuportável. E as mãos abanam.
“Faltam 10 minutos, muita merda”, diz o Pedro que está ainda pior que todos os actores, antes de ir para o seu sítio. Desta vez não o vamos ver de perna alçada no balcão da sala, perto da entrada principal, aliás não vamos ver ninguém do público. Vamos até ao palco, rever em 30 segundos toda a peça. Caí o silêncio nos bastidores, levantam-se ainda mais os nervos e começa-se a ouvir o agitar do público na sala, como se estivessem a 2 metros de nós. Vemos a Nélita pela ultima vez e diz-nos que vai começar e claro deseja-nos “muita merda”. E as mãos abanam.
5 minutos, 2 minutos, 30 segundos, o pano abre. Inquietude, ânsia de lá ir para dentro, a coisa vai bem, o público está a gostar. Chega a nossa vez e ... concluimos que estivemos pouco tempo em palco, pelo menos para aquilo que queriamos de lá ter estado e por todo o nervosismo que acumulá-mos.
Somos invadidos por um bem estar e pela sensação de ter feito aquilo mais de mil vezes, mas afinal aquela foi a nossa estreia.
Nervos? Eu? Nem por isso! É mentira. Todos ficam nervosos mesmo depois de terem feito muitas estreias.
Aplausos, caras felizes, o Pedro não cabe em sítio de contente e já somos capazes de voltar ao nosso normal bem estar, aquele que tinhamos antes de sair de casa, a caminho da estreia.
Tiramos a roupa e vamos até ao bar, ouvir as críticas e os espectadores felicitam-nos. É bom saber que gostaram e foi bom ouvir que: “És o gay mais bonito que já vi!”, vindo de uma amiga.
Resumindo, estes nervos são bons de ter. Estas esperas e estas situações antes das estreias são grandes e depois de tomadas a gosto, ansiamos que aconteçam muitas vezes.
Por mim, o melhor do treatro são estas situações. Melhor que os aplausos, que as críticas que o sucesso. Na minha opinião todas as peças deviam de ser vividas como vivi a minha estreia.
Como diria Gil Vicente: “Esperai, ora e vereis”.

3 comentários:

flores disse...

é pá ainda falta mais de 15 dias e ja ando doido, tu dizes só duas horas.... ok a tua experiência faz-me pensar que vai ser assim.
mais uma vez tenho pena que não estejas cá!

daniel grácio disse...

Vais perceber melhor que isso de faltar 15 dias e ja estares doido, não se identifica em nada às tais 2 horas que antecedem a estreia. Espero que depois relates como foi e ,aconselho-te, a aproveitares ao máximo, pois é mesmo de mais.
Abraços e nem preciso de pedir que bebes umas minis por mim, porrque tu és bem capaz de o fazeres sem te dizer nada.

Paulo Sousa disse...

Se ele não beber, bebo eu, tá descansado que não ficam lá :-)